O senhor dos rios, das águas. Que fez deles, quando menino, seu parque de diversão. Um menino encantado chamado Elídio, que mesmo hoje, do alto de suas mais de oito décadas de existência, vive uma relação de amor tão intensa com eles como se o tempo não tivesse passado, como se ainda não tivesse crescido. Um ribeirinho fiel, conhecedor de suas origens, um pouco dono de cada um. Uma intimidade surgida ainda criança, quando o pai, Elvídio Torezani, mudou com a família, de São Roque do Canaã para Córrego da Saúde, em Colatina (hoje bairro Colúmbia), e que fez do Rio Doce a sua estrada, para sustentar, com muito sacrifício, a mulher Cecília, 26 anos, e os filhos Elídio, de dois anos, e Isaías, de cinco meses.
Foi numa das viagens de canoa, usada para transportar lenha e frutas para vender na sede de Colatina, que, aos 27 anos, Elvídio caiu na água, adoeceu e morreu. Cecília, então, veio morar com o pai, Pedro Dallapícola, próximo à escola Conde de Linhares, na margem do Rio Doce. “Viemos de canoa, porque não tinha estrada. Aqui minha mãe começou a trabalhar como lavadeira de roupa. Pegava água do rio Doce, colocava nos tonéis e colocava pedra hume. Lavava muitos ternos de linho branco, engomava e passava com ferro com carvão. Foi muito sofrimento. Graças a Deus ela soube nos criar. E nós fomos fazendo boas amizades”.
E assim o menino Elídio foi vivendo, mas nunca deixando de fazer o que mais gostava, que era tomar banho, brincar e pescar no rio Doce. Aprendeu a pescar com anzol ali, no fundo de casa, com o avô Pedro. Ele conta que gostava mais de pescar piau, mas também pegavam piabanha, robalo, camarão, lagosta e outros peixes. Sem saber, ele já tinha descoberto o amor que o inspiraria por toda a sua vida.
Estudou o primário na Escola Aristides Freire e o ginásio no então Colégio Conde de Linhares, de onde guarda “ótimas lembranças”, principalmente do professor Aloysio de Barros Leal (fundador e diretor), de Walfredo Rubim (autor do hino oficial de Colatina) e da Banda Marcial, que ele participou. “Colatina tinha que ter um busto do professor Aloysio, um cearense que, sem dinheiro, fundou o Conde, uma grande escola hoje. Lembro que ele ia lá em casa pedir um dinheirinho emprestado para minha mãe. Também não esqueço de um homem, que não recordo o nome, que era analfabeto e vendia jornal e pedia para a gente ler as manchetes para ele sair gritando para vender. O centro da cidade tinha poucos moradores e as ruas eram de terra. Todo mundo andava a cavalo”, relembra.
Ele dá “graças a Deus” por ter vivido uma infância feliz, quando brincava na rua junto aos amigos de pião, pipa e de pegar passarinho. “A gente brincava na rua, não tinha essa de celular, nem computador. Tinha um campinho de futebol perto de casa. Atravessávamos a ponte para irmos em um campo onde é hoje a Escola Geraldo Vargas Nogueira (São Silvano), e em outro onde é hoje o Hospital Unimed. Aqui tinham os times Uacec, Colatinense, Cruzeiro, Vila Nova, Domingos Martins, Marilândia e São Silvano. Quando jovens, os passeios para ver as garotas eram na avenida Getúlio Vargas, sentados no meio-fio da linha da estrada de ferro. Onde é hoje a primeira Estação de Tratamento de Água de Colatina (bairro Sagrado Coração de Jesus) era local de passeio e de namoro. Eu também frequentava muito os bailes do Clube Recreativo (hoje Casa da Cultura) ”, conta Elídio.
Os rios também faziam parte da vida dos jovens da época. “A gente gostava de brincar, tomar banho e pescar. De pular da ponte Florentino Avidos no Rio Doce com os meus amigos Ilton e Geraldo. Andei muito no Vaporzinho Juparanã, indo para Linhares com eles, e muitas vezes ia escondido da minha mãe, que só ficava sabendo quando eu já tinha voltado. Meu amigo Lindolfo era cozinheiro do Vaporzinho e a gente se divertia demais nas viagens, em meio às lindas paisagens. Eu aprendi com eles a gostar de comer mingau doce de tapioca e de milho bem ralinho. Como até hoje”, revela.
Trabalho e 1º emprego
“Para ajudar minha mãe, quando eu era menino eu recolhia garrafas de vidro nas ruas, lavava e esterilizava para vender nas farmácias, e vendia tudo para a Farmácia Klinger. Um dia, o dono dela, que elogiava a minha atitude, me deu emprego. A estrada de ferro transportava madeira e o serviço de tratar madeira era no centro da cidade, onde também ficavam os carreteiros, e quando eles se machucavam iam mais na farmácia do que no médico, porque só tinha os médicos Raul e Justiniano para atender a população. A gente fazia de tudo”, recorda.
Elídio trabalhou 19 anos no Banco do Comércio e Indústria de Minas Gerais, que existia em Colatina desde 1940, e que em 1967 mudou o nome para Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge), com a fusão do Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais com o Banco Mineiro da Produção. A agência do Bemge fechou em Colatina e Elídio não aceitou sua transferência para Minas, e então saiu. Ele lembra que só podia trabalhar de terno e gravata e que suas roupas eram feitas pelo alfaiate Álvaro Guerra.
Quando o assunto era ganhar dinheiro, ele se define como “meio muambeiro”, pois trabalhou em diferentes ofícios. Enquanto era bancário, vendia imóveis em Colatina e até fora do Estado. Também trabalhou na fábrica de molas de caminhão de Ricieri Negrelli, no cartório do 1º Ofício (de Paulo Resende) e com montagem de binóculos com o fotógrafo e amigo Afrânio Serapião. E ainda com o irmão Isaías, no Café Expedicionário. Nos anos 70, foi dono do Sinucão, localizado no centro da cidade.
Casamento
Elídio conheceu a jovem professora Esther tão logo ela chegou de Alegre (ES) para morar em Colatina com os pais Eulâmpia Gonçalves e Francisco Gama, e ainda noiva de um rapaz de sua cidade. Foi logo depois que terminou o noivado, mandando a aliança de volta pelos Correios, que Esther foi atraída pelo rapaz encantado pelos rios, que conheceu em um passeio numa tarde na Avenida Getúlio Vargas, entre os jovens da época. Em 15 de maio de 1960, eles se casaram e foram morar no bairro Vila Lenira, onde tiveram os quatro filhos: Elidinho, Maria Gorete (falecida), Elisther e Fabrício.
A diversão nos rios continuou sendo prioridade para ele. E não só no Doce e Santa Maria como também no Pancas e no Santa Joana. Como era alimento do espírito, seu encanto foi passado para a mulher, os filhos e outros da família. Em Vila Lenira, levava todos para tomar banho, fazer piquenique e pescar nos finais de semana.
Em 1975, quando os trilhos do trem foram retirados do centro de Colatina, a família mudou para a casa em que hoje mora, no bairro Sagrado Coração de Jesus. Era tudo que Elídio queria, com a casa dando fundo para o rio Santa Maria. Ele transformou seu quintal fazendo um poço para os patos, uma cozinha para reunir a família (com mais seis netos e cinco bisnetos), uma casinha de passarinho e uma carpintaria para fazer brinquedos para os filhos e Terços para Esther. No jardim, que já existia, ele e Esther plantaram mais flores, inclusive as manacás, as preferidas dela. “Não gosto de ficar parado, pois cabeça vazia cria doenças. Também gosto de sair para resolver as coisas”, afirma.
“Eu casei com uma mulher extraordinária, forte, que Deus me deu além do que eu mereço. Uma grande parceira em todos estes anos, em todos os momentos. Mesmo grávida do nosso primeiro filho, Elidinho, Esther enfrentava as longas caminhadas nas estradas para dar aula na roça. Enfrentamos tudo juntos”, disse ele, não escondendo a emoção sobre a esposa, que faleceu ano passado.
Pesca
A paixão pelos rios falou mais alto e Elídio então decidiu unir o útil ao agradável, transformando o lazer em profissão. Passou a pescar para vender os peixes de água doce e também os de água salgada. Vendia robalo e dourado que pescava no Rio Doce, além de camarão da Malásia e siri. Gostava de pescar principalmente na Bahia, em Prado, Nova Viçosa e Alcobaça. Um de seus principais compradores era o Restaurante Drink.
Elídio participou das edições do Torneio de Pesca Embarcada, realizado pela Associação de Pescadores Amadores de Colatina, no Rio Doce. Foi homenageado com o seu nome na sexta e última edição que aconteceu em 12 de setembro de 2015, pouco antes de ocorrer o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), no dia 5 de novembro. É um ano inesquecível para ele. Estava feliz porque ia ganhar dois bisnetos (Luís e Sara), mas, ao mesmo tempo, ficou triste com que aconteceu com o rio.
Ele assiste de perto a agonia que os rios vivem, maltratados, machucados, abandonados, e diz que sofre junto. “Fiquei muito deprimido ao ver a morte do rio Doce e dos peixes, e com a proibição da pesca. Lamento muito tudo o que aconteceu e o que vem acontecendo. Ficamos muito tristes porque somos ribeirinhos, eles são o ar que respiramos, pois precisamos deles para sermos felizes de verdade. Esse é o sentimento na nossa família e sei que é também nas famílias que assumem ser ribeirinhas de verdade. Para nós rios, banhos, pescaria, têm muito a ver com a história da nossa família”.
Colatina
Sua alegria é estar em Colatina, lugar que ele nunca considerou a ideia de sair. “Eu não saio daqui por hipótese nenhuma, pois é daqui para o cemitério. Meus filhos foram estudar em Vitória e alguns da família até queriam que eu fosse para lá, mas não saio daqui, porque sei que se eu cair no meio da rua todo mundo vai me levantar. Em Vitória eu teria que fazer novas amizades, então eu não vou. Tenho que ficar aqui, tenho amigos de verdade, da época em que as amizades tinham muito valor, que existia muito respeito um pelo outro, o que é difícil hoje. Amo este lugar e aqui ficarei por toda a minha vida”.
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Texto: Maria Tereza Paulino
Foto: Juliana Fiorot